MANAUS — Uma teia de corrupção que sangrou os cofres públicos e agravou o colapso da saúde no Amazonas foi desvelada nesta quinta-feira (16) com a deflagração da Operação Metástase, conduzida pela Controladoria-Geral da União (CGU) e pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Amazonas (MPAM). A ação é a segunda fase da Operação Jogo Marcado e escancara como um grupo familiar estruturou um sofisticado esquema de fraudes e propinas em contratos milionários da saúde estadual.

A ofensiva cumpre 27 mandados de busca e apreensão e três de prisão preventiva, além de medidas de sequestro e bloqueio de bens que ultrapassam R$ 1 milhão. Também foram impostas suspensões de servidores públicos, quebras de sigilo telemático e proibições de contratar com a administração pública. Participam da operação 120 agentes públicos, entre eles 16 auditores da CGU.
Núcleo familiar e fraudes em série
As investigações revelam que uma única família controlava diversas empresas, usadas para simular concorrência em licitações e manipular valores em conluio com agentes públicos. Essas companhias operavam em maternidades, prontos-atendimentos e unidades administradas pela Secretaria de Estado de Saúde (SES-AM), incluindo contratos com a Fundação Centro de Oncologia do Amazonas (FCecon).

O esquema envolvia pagamento de propinas, superfaturamento de contratos e entregas fictícias, desviando verbas federais destinadas à manutenção de serviços essenciais. O resultado foi devastador: falta de insumos, unidades sobrecarregadas e pacientes desassistidos. O que deveria financiar a vida, financiou o lucro ilícito de poucos. Cada nota superfaturada representou uma medicação a menos, um leito sem estrutura e um atendimento negado um efeito deletério profundo sobre a sociedade amazonense.
Continuação de um escândalo milionário
A Operação Metástase é o desdobramento direto da Operação Jogo Marcado, que inicialmente investigava fraudes em contratos esportivos. O avanço das apurações revelou que o mesmo grupo expandiu sua atuação para o setor da saúde, transformando o que era um jogo de corrupção em um verdadeiro câncer administrativo, com ramificações que atingem diversas frentes do serviço público.
Entre os principais alvos está Valter Siqueira Britto, apontado como um dos articuladores do esquema. Segundo o MPAM, Britto desempenhava papel estratégico na intermediação de contratos e movimentação de valores ilícitos, funcionando como elo entre empresários e servidores. Sua atuação foi decisiva para a consolidação da rede criminosa, que usava empresas de fachada e influência política para manipular resultados e garantir a continuidade dos contratos fraudulentos.
Favorecimento da ALS: dois pesos e duas medidas
Outro ponto crítico das investigações envolve a empresa ALS (Proponente 17), favorecida em licitação no dia 17 de julho de 2025. O pregoeiro, contrariando regras do edital, desconsiderou divergências graves entre valores unitários e globais da proposta, o que deveria ter levado à imediata desclassificação da empresa. Ainda assim, a ALS foi mantida no certame.

Além disso, as assinaturas eletrônicas apresentadas eram inválidas e emitidas por terceiros, em desacordo com as normas legais. Mesmo diante de tais irregularidades, o Centro de Serviços Compartilhados (CSC) validou a participação da empresa, afrontando os princípios de legalidade, isonomia e moralidade.
Conforme a denúncia, o verdadeiro proprietário da ALS seria o servidor público Francisco Keginaldo Porfírio da Silva, impedido por lei de contratar com o Estado. Ele teria utilizado o próprio filho como laranja, em parceria com André Scariot e o enfermeiro conhecido como “Andrezinho”, ambos já investigados pela Justiça Federal por envolvimento em outros esquemas fraudulentos.

Deleite da corrupção, prejuízo da sociedade
O caso ilustra, mais uma vez, como a corrupção sistêmica corrói o que há de mais essencial: o direito à saúde e à dignidade. Enquanto empresários e agentes públicos enriqueciam, mães aguardavam atendimento em corredores lotados, pacientes com câncer enfrentavam falta de medicamentos e profissionais da saúde lutavam sem estrutura para salvar vidas. A Operação Metástase não apenas expõe um crime financeiro, mas revela o custo humano da improbidade, um rastro de dor e indignação que se espalha como a própria doença que lhe dá nome.


